Escritores que não sabem dançar
(Ou: Conselhos profissionais que soam muito como conselhos amorosos)
Antes de mais nada, queria agradecer a todo mundo que me mandou comentários e elogios, que encaminhou a newsletter pros amigos, que compartilhou o link nas redes sociais… Quando decidi criar esse espaço, eu imaginei que haveria interesse, mas não estava esperando que logo o primeiro post fosse ter mais de 1.500 leituras. 😵💫 Muito obrigada!
Só depois de enviar a mensagem eu descobri que a caixa de comentários não estava aparecendo pra vocês. Agora já arrumei, então vocês também podem deixar comentários ao final de cada post se quiserem trocar ideias. (Mas o lugar pra enviar perguntas continua sendo o formulário, por favor, pra ficar tudo organizado em um lugar só.)
Ainda sobre marketing editorial, vale a pena ler o complemento que a Halime postou. A experiência dela com CTP (livros científicos-técnicos-profissionais) ajuda a lembrar que nosso mercado tem ainda mais peculiaridades do que parece. E o Ayslan já foi “o cara da agência de publicidade” (ele trabalhou exatamente com uma marca de refrigerante, risos) e comentou que aplica aprendizados dessa época para se divulgar como autor. Acho uma perspectiva super interessante, então estou aguardando esse prometido fio! (Sobre divulgação para autores independentes, eu sempre recomendo a participação do Gabriel Mar no podcast Wine About It. E a Giu Domingues faz bons posts sobre o tema também.)
Bom, na newsletter de hoje vou falar de uma aflição comum entre escritores: o medo de que ser um bom escritor não é suficiente hoje em dia, você tem que ser famoso na internet também. Depois indico alguns eventos, recomendo um texto sobre como escritores de fanfiction provaram que empresas de IA estão passando por cima de direitos autorais, e revelo o que vem aí na próxima newsletter.
Escritores que não sabem dançar
Ouvi uma editora dizendo que queria conhecer autores que fossem engraçados e fizessem conteúdo para o TikTok. Sei que isso conta. Vivemos num mundo capitalista e acho normal que editoras queiram lançar fenômenos das redes sociais. Comercialmente falando, é uma boa estratégia. Mas a pergunta é: você acha que ainda existe espaço nas editoras comerciais grandes para autores que não sabem dançar ou não têm tempo nem vontade de serem influenciadores?
Escritora que escreve (São Paulo, SP)
Cara Escritora que escreve,
Eu tenho duas respostas para a sua pergunta. A primeira delas é: sim, existe. A segunda é: esse não é seu problema.
O que você precisa lembrar é que existem muitas editoras no Brasil. E cada editora (principalmente as grandes, que você destacou) tem vários editores. Cada editor é uma pessoa diferente, com preferências, jeitos de trabalhar e objetivos diferentes. Eu entendo o ímpeto de ouvir a opinião de um profissional e acreditar que é um reflexo do mercado como um todo. Mas eu acredito que faz parte do processo de amadurecimento saber diferenciar entre a opinião de uma pessoa e uma Verdade Sobre o Mercado. (Isso também vale como um puxão de orelha para profissionais que falam de suas preferências como se fossem Verdades Sobre o Mercado, aliás.)
O motivo de editores procurarem pessoas famosas é porque torna mais fácil o trabalho de chegar no leitor. Como falei na newsletter anterior, o mercado editorial tem dificuldade de trabalhar o marketing. Trabalhar com uma pessoa famosa (em qualquer nível que seja) significa que ela já tem um público criado. Se ela for uma pessoa famosa com um canal de comunicação direto com o seu público, ainda por cima (que é o caso de quem faz um bom trabalho nas redes sociais), você já matou a etapa de apresentar o produto ao público e de fazer ele se interessar por ele (a não ser que o livro seja muito dissonante da imagem que o público tem dessa pessoa. não foram poucos os artistas que descobriram que seus fãs não iam realmente apoiá-los em “qualquer coisa que você fizer”). E mesmo na hora de fazer divulgação fora da internet, para um público mais amplo: se eu comprar um anúncio no metrô, ou arranjar uma exposição na livraria, é claro que mais pessoas vão parar pra prestar atenção se já tiverem ouvido falar da pessoa antes do que se eu tiver que vender a ideia do livro do zero.
Então, como você mesma falou: faz sentido, comercialmente falando, procurar essas pessoas. São pessoas que botaram um esforço tremendo pra criar esse público, então também é justo que elas recolham dividendos desse trabalho. (O que eu sou contra é quando editoras usam esses talentos como atalho para não fazer sua parte. Oferecendo contratos de publicação mas sem nenhum apoio para a pessoa se desenvolver como escritora, sem um plano para fazer aquele livro ir além dos seguidores que a pessoa já tem. O trabalho de texto é visto como opcional porque “não é o que importa” e o plano de divulgação é basicamente “fulano vai postar nas redes dele”. Editoras que fazem isso: melhorem!)
Mas a sua pergunta é: existe espaço para pessoas que não têm esse perfil? Sim. Eu diria até mais do que existia até alguns anos atrás. Acho que sua impressão vem muito mais de esses autores-divulgadores aparecerem mais na sua frente (porque… eles são bons em divulgação) do que propriamente uma verdade sobre o que está sendo publicado ou mesmo sobre o que está sendo lido. Se você for consultar a lista de autores brasileiros que mais venderam em abril, por exemplo, você pode me dizer “mas são todas pessoas conhecidas!”… bom, sim, são pessoas conhecidas agora. Mas quantas delas foram publicadas porque eram conhecidas? Você encontra Igor Pires, Gabriel Dearo/Manu Digilio, e Maidy Lacerda, ok: pessoas cujo sucesso na internet provavelmente pesou na decisão das editoras. Mas você também encontra escritores que conseguiram contratos porque se destacaram em concursos literários (Itamar Vieira Jr. e Raphael Montes) e que publicaram primeiro por editoras menores e depois conseguiram espaço em casas maiores (Carla Madeira, Jeferson Tenório, Aline Bei).
Veja bem, eu não estou dizendo que esses escritores não usam redes sociais hoje em dia, para divulgar seus livros. E muito menos negando que existam pessoas que são publicadas por causa de suas redes sociais. Mas a sua questão era se isso é de alguma forma obrigatório para você conseguir ser publicada. E o que eu quero que você entenda é que 1) não é, 2) você se preocupar com isso só está prejudicando você mesma.
De fato, existem editores que só têm interesse em publicar pessoas famosas. Sempre existiram: famosos da TV, do jornal, da política. Ser famoso da internet é só a versão mais recente disso (e, portanto, a mais fácil de usar de alvo). Mas sempre vão existir editores que não ligam pra isso e só querem saber se sua história é legal e se encaixa no que eles publicam. E isso é bom. A multiplicidade é boa. Existirem editores que não querem o que você escreve não é o problema. Pode ser frustrante, mas você se preocupar com isso é o equivalente de você olhar pro seu crush e pensar “se ele não estivesse namorando fulana, ele estaria comigo”. Será mesmo? Ou será que ele ia preferir outra pessoa? Ou ia preferir ficar sozinho? Da mesma forma: existirem editores que queiram publicar pessoas famosas não significa que, se eles desistissem desse plano, iam querer publicar você. Talvez eles decidissem só publicar autores estrangeiros. Talvez eles decidissem que querem publicar livros didáticos, palavras cruzadas, sei lá. Mas o ponto é: não adianta você ficar presa nesse “e se”, o que você precisa é descobrir quais são os editores que estão interessados no tipo de texto que você escreve. Porque eles existem.
Eu estou te dizendo isso, Escritora, não porque eu quero que você se sinta mal por ter esse tipo de pensamento, mas porque eu sei que preocupações como “só estão publicando esse tipo de pessoa”, ou “só estão procurando esse outro tipo de história”, afligem muitos escritores, e acho importante apontar o que está por trás disso: o medo de falhar. O medo de não conseguir escrever o livro que você quer. O medo das pessoas (editores, leitores, resenhistas) não gostarem dele tanto quanto você. O que é totalmente compreensível. O problema é quando você deixa o medo de coisas que estão fora do seu controle te impedir de fazer o que está, de fato, sob seu poder. O problema é quando esse pensamento ocupa tanto a sua cabeça que acaba garantindo que seu medo se concretize: você não consegue escrever o livro que queria, e nunca tem a chance de ver as pessoas reagindo a ele.
Escritora, essas pessoas não estão ocupando o seu lugar, e você ficar se preocupando com elas só vai te atrapalhar de encontrar o seu.
Existem editores que não querem publicar autores estreantes. Existem editores que publicam autores estreantes.
Existem editores que não querem publicar fantasia. Existem editores que publicam fantasia.
Existem editores que não querem publicar poesia. Existem editores que publicam poesia.
Existem editores que não querem publicar contos. Existem editores que publicam contos.
O que não quer dizer que o mercado editorial é totalmente justo e “é só você se esforçar que vai conseguir o que quer!!”. Longe de mim dizer isso, eu estou bem ciente do quanto é um mercado difícil e injusto. Mas exatamente porque você vai ter que enfrentar esses problemas e dificuldades, eu prefiro que você poupe sua energia para lidar com eles em vez de desperdiçar brigando com moinhos dentro da sua cabeça. Foque no que você mesma pode fazer: estude, se aprimore, e escreva. É o que vai te ajudar a chegar onde você quer.
P.S.: Acho que vale a pena você ver essa videoaula para escritores que postei no YouTube, porque eu falo sobre concursos e editoras pequenas como caminhos para publicação, e também explico por que o foco em grandes editoras pode te atrapalhar.
Indicações e aleatoriedades:
São Paulo recebe dois eventos gratuitos essa semana: a Feira do Livro, com dois palcos e 144 expositores em frente ao estádio do Pacaembu, e a Poc Con, feira com artistas LGBT+ vendendo quadrinhos, prints e outras artes gráficas. Vou passar pelos dois com certeza, então me dê um alô se você me vir por lá!
Saindo do mundo de livros e quadrinhos e passando pras minhas nerdices mais peculiares: dia 14 de junho começa o In-Edit Brasil, meu festival de cinema favorito porque é focado em documentários sobre música. Eu já marquei uns 5 filmes que quero ver, e esse evento é um pouco mais acessível pra quem não é de São Paulo porque uma parte do catálogo fica disponível on-line!
A revista Suprassuma, da Editora Suma, está recebendo contos de ficção especulativa para sua próxima edição. Os contos devem se adequar ao tema sonhos e o edital está aqui.
Um estilo de fanfiction que surgiu com Supernatural (sim, é omegaverse) ajudou a provar que a Open AI, criadora do Chat GPT, está usando textos aos quais não tem direito para treinar suas ferramentas. O artigo (em inglês) da Wired é bem interessante, e aborda não só questões de plágio e direitos autorais, mas também a decisão de uma comunidade de disponibilizar seus trabalhos gratuitamente e ver uma empresa se aproveitando disso (sem admitir) para lucrar.
Você quer fazer uma viagem espacial? Bom, vai demorar um pouco pra isso ser possível, mas por enquanto você pode enviar seu nomezinho (gratuitamente) para Europa, a lua de Júpiter. É só assinar a mensagem que está no site da Nasa.
Próximas questões:
Eu estarei em Goiânia semana que vem (aceito dicas e recomendações! mandem aqui nos comentários). Como vou ter menos tempo para escrever a newsletter, escolhi responder duas perguntas mais simples em vez de uma que demanda textão.
Queria saber sobre Agenciamento Literário: como autora que está começando a publicar agora, devo ir atrás de uma agência ou focar em publicar o primeiro livro e chamar a atenção de alguma para o lançamento dos próximos projetos?
Amelie M. (São Paulo, SP)
Diana, quanto tempo devo esperar antes de "cobrar" uma resposta de pedido de teste de revisão/preparação/tradução para uma editora tradicional? Enviei alguns emails em outubro e até agora não tive resposta. Não enviei para emails genéricos (SAC, RH, etc.), mas sim para pessoas editoras. Todes dizem que a demora é algo normal no mercado editorial, mas quanto tempo é esse "normal"?
Shiv Roy do mercado editorial (Recife, PE)
Até a próxima!
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