Sim, a newsletter está de volta! Muito obrigada a todo mundo que veio conversar comigo, seja nos eventos ou pelas redes sociais, para comentar sobre as últimas cartinhas e pedir esse retorno. Eu passei alguns meses focada em um projeto novo (que, se tudo der certo, vou poder anunciar pra todo mundo em breve), mas estava com saudades de escrever pra vocês.
Eu precisei migrar para o Substack, então talvez haja algumas falhas de envio por causa disso. O formato da newsletter continua o mesmo (reabri o formulário para vocês enviarem as dúvidas de vocês aqui), mas eu queria que essa primeira mensagem fosse sobre minhas leituras favoritas de 2023. Sim, eu sei que já estamos no final de fevereiro. Mas continua valendo, são bons livros e eu quero falar deles!
A lista vai seguir a ordem em que eu li eles ano passado, não é um ranking, ok?
Mariposa vermelha, de Fernanda Castro (Ed. Suma)
Uma fantasia adulta sobre Amarílis, uma moça que vive uma vida simples de funcionária de fábrica mas, ao reencontrar o general que foi responsável pela morte de sua mãe, decide explorar os poderes que sempre escondeu para invocar um demônio. Tolú atende seu chamado, porém não aceita matar o general. Em vez disso, ele propõe um pacto para colocar Amarílis frente a frente com o homem, e caberá a ela matá-lo. A moça aceita o pacto, e a partir daí vemos Tolú ajudando ela a explorar todo o seu poder (e sua raiva), numa daquelas histórias que te faz questionar quem é o monstro de verdade nesse universo.
Eu indico para quem: concorda que invocar um demônio gostoso pode não resolver todos os problemas da sua vida, mas certamente ajuda. E para quem entrou no bonde das romantasias gringas e está procurando um bom exemplo brasileiro.
(Um disclaimer de que eu fiz a preparação de texto desse livro. O que significa que eu fazia parte do fã clube de Tolú antes de vocês *cof*.)
Lá não existe lá, de Tommy Orange (Ed. Rocco, tradução de Ismar Tirelli Neto)
Um livro que ganhou diversos prêmios literários e que narra o cotidiano de vários personagens nativos americanos em contexto urbano. As histórias se conectam aos poucos, e vemos o esforço deles para lidar com as consequências de políticas higienistas, passados violentos e o desejo de reconexão. O que mais me marcou no livro foi o retrato da complexidade que está por trás do resgate da sua identidade quando há tanta dor e tantas interrupções no meio do caminho.
Eu estava devendo essa leitura há anos para a Mayra, mas demorei porque sabia que ia gostar e queria ler com calma. (No fim demorei tanto que parece que o livro está saindo de catálogo, então garantam logo o de vocês!)
Eu indico para quem: gosta de livros que acompanham vários personagens, com histórias que se conectam. Quem gostou de Garota, mulher, outras, e outras histórias sobre as nuances da conexão com sua identidade. Quem quer expandir a visão sobre a realidade de pessoas indígenas vivendo em contexto urbano.
O crime do bom nazista, de Samir Machado de Machado (Ed. Todavia)
Lembram daquela notícia sobre o técnico do Flamengo que brigou com um torcedor e mordeu a virilha dele em um shopping? Eu mandei para uma amiga com a mensagem “parece o tipo de coisa que aconteceria em um livro do Samir”. E então me caiu a ficha de que esse é o melhor jeito de explicar o estilo do Samir: ele consegue colocar nas páginas o tipo de situação que você pensa “só podia ser no Brasil mesmo... se colocasse numa história, ninguém ia acreditar” sem soar forçado.
Há anos que eu torço para mais pessoas lerem os livros dele, que conseguem combinar ação, humor e crítica social de um jeito muito inteligente e gostoso de ler, e acho que O crime do bom nazista é uma boa porta de entrada porque é um livro bem mais curto que os anteriores (embora eu jure que Tupinilândia vale cada uma das 448 páginas). O livro é um mistério inspirado em Agatha Christie, e se passa no Brasil durante uma viagem de dirigível. Um dos passageiros é assassinado após conversas sobre a ascensão do Terceiro Reich, e os demais personagens têm que descobrir quem é o assassino entre eles.
Eu indico para quem: sabe que fofoca edifica e que nazista bom é nazista m…
Defekt, de Nino Cipri (Tor.com, sem publicação anunciada no Brasil)
Esse é o segundo volume de uma duologia que se passa em uma grande Tok&Stok conectada a universos paralelos. Dá para ler cada história separadamente, e eu acho que gostei ainda mais de Defekt do que do 1º (que é sobre uma velhinha que se perde entre os vários ambientes da loja e vai parar numa realidade paralela cheia de móveis canibais).
O protagonista dessa segunda história é Derek, um funcionário exemplar da LitenVärld. Uma noite colocam ele pra fazer uma checagem do estoque e ele encontra outros 4 "Dereks" trabalhando na loja. Nino Cipri é trans não-binárie, e aproveita a premissa para explorar questões de gênero (afinal, mesmo sendo supostamente clones, cada "Derek" tem uma expressão e uma personalidade diferente) e criticar o corporativismo e a cooptação de pautas pelo capitalismo (será que a empresa realmente te enxerga como família ou eles só te "aceitam" enquanto você estiver servindo aos propósitos dela?). São livros curtos e muito divertidos, vale a pena se você puder ler em inglês.
Eu indico para quem: tem preguiça de posts de LinkedIn. E para quem gosta de histórias que usam ficção especulativa para explorar questões queer com a mesma naturalidade que elas deveriam ter no mundo real.
Yellowface, de R.F. Kuang (publicação no Brasil anunciada para 2024 pela Ed. Intrínseca)
O que falar sobre esse livro que era pra ser uma sátira mas eu passei o tempo todo pensando “eu já vi isso, é assim mesmo 🙃”.
Yellowface, para quem não sabe, é o equivalente asiático de blackface: se passar por amarelo, ou negro, quando a pessoa na verdade não pertence a essa minoria. O livro é um thriller narrado por June Hayward, uma autora que sempre teve inveja do sucesso literário de sua amiga Athena Liu. Afinal, é injusto como as coisas são muito mais fáceis pra Athena! Parece que não há mais espaço para escritoras brancas como a June, coitada!!
Só que aí a Athena morre. E a June decide pegar o manuscrito em que ela estava trabalhando e publicar ela mesma. Para honrar a amiga morta, claro. E corrigindo alguns exageros que a Athena tinha colocado na trama histórica sobre trabalhadores chineses na época da 1ª Guerra. E publicando sob o pseudônimo Juniper Song. O que pode dar errado?
Eu indico para quem: gostou do livro (ou da série) A outra garota negra. E para quem se interessa por questões de representatividade e pelas movimentações do mercado editorial.
(Disclaimer de que eu trabalhei nos três volumes de A Guerra da Papoula como leitora de sensibilidade. E agora estou lendo Babel leeentamente porque 1) dói, 2) estou grifando metade do livro.)
Marea Infinitus, de Lis Vilas Boas (Agência Magh, tradução de Ariel Ayres)
Marea Infinitus é um planeta coberto de água colonizado pelos humanos, porém os exploradores vêm enfrentando dificuldades. Não bastassem os obstáculos para manter habitações submersas e cultivar alimentos, os humanos têm encontrado problemas causados pela IMD: uma Inteligência Marinha Desconhecida. Ninguém sabe exatamente o que é a IMD, ou sequer se ela existe ou se eles estão apenas vendo os efeitos de tentar mudar um planeta estranho. A protagonista, que se voluntaria para um experimento militar que a fundirá com um polvo, secretamente questiona se Marea não está apenas se defendendo dos humanos. Afinal, não são eles os invasores ali?
Esse é um conto independente e a autora é brasileira (e oceanógrafa). Ele tem um crédito de tradução porque o texto foi publicado primeiro na Hexagon Magazine. E enquanto eu escrevia essa newsletter, a autora anunciou que vai publicar um livro ainda em 2024 pela Editora Rocco!
Eu recomendo para quem: gosta de As águas-vivas não sabem de si e de documentários sobre o fundo do mar.
(Para pressionar a renegociação com a Bookwire, que é a principal distribuidora de ebooks no Brasil, a Amazon tirou esse e vários outros títulos do ar. Mas ele continua disponível nas lojas da Kobo, Google, Apple etc.)
A princesa e o queijo quente, de Deya Muniz (Ed. Plataforma 21, tradução de Lavínia Fávero)
Cam(embert) não quer se casar com um homem de jeito nenhum, mas seu pai está prestes a morrer e mulheres não podem receber herança. A única solução: que Cam vire seu filhO, se apresentando como Conde Camembert e vivendo sem chamar atenção para si.
Cam está cansada dessa vida low profile quando encontra em um baile a princesa Brie, que é contra o uso de peles de animais. Brie decide pedir ajuda ao “Conde” para organizar um desfile de moda sem peles, e Cam acaba topando. Aos poucos as duas vão se aproximando, e, enquanto Cam tenta lidar com seu segredo, Brie descobre que a moda não é a única coisa que ela quer mudar no reino de Fondue.
Esse é um quadrinho muito fofo escrito por uma pessoa não binária brasileira, apesar de ter sido publicado primeiro nos EUA. E é cheio de trocadilhos com queijo!
Eu indico para quem: gosta de queijo, de histórias LGBTQIA+ fofas e de quadrinhos como O príncipe e a costureira.
A morte de Vivek Oji, de Akwaeke Emezi (Ed. Todavia, tradução de Carolina Kuhn Facchin)
Um livro triste mas muito bonito. Você já sabe pelo título que Vivek vai morrer, mas a narrativa vai e volta no tempo pra mostrar a vida desse personagem que segue um conceito nigeriano no qual a pessoa pode ter mais de uma "alma" dentro de si, resultando em uma forma de não binariedade que foge aos padrões ocidentais. É muito bonito acompanhar as mudanças pelas quais Vivek passa ao longo dos anos, mas o que mais me marcou foi ver como os outros personagens lidavam com essa multiplicidade dele.
Akwaeke esteve no Brasil ano passado para a Flip, dá para ver a palestra aqui.
Eu indico para quem: procura histórias que fogem do contexto europeu/estadunidense. Quem gosta de livros sobre relações familiares e de narrativas mais poéticas. Quem gosta de histórias que começam pelo final e vão te contando como os personagens chegaram até lá.
A cabeça cortada de Dona Justa, de Rosa Amanda Strausz
Esse é um livro que soube se aproveitar muito bem da cultura e da história do nosso país para criar uma trama de horror e realismo mágico. A Dona Justa do título é uma rezadeira que deveria ter herdado uma sesmaria porém foi passada para trás pelo marido francês. O que o canalha não esperava é que a terra devolveria aos homens todo o sofrimento que foi causado sobre ela. Cobras, cantorias fantasmagóricas e cabeças falantes são algumas das manifestações da maldição que permeia o local desde que o feitor contratado pelo francês matou uma sacerdotisa escravizada.
O livro acompanha sete gerações dessa família, cada uma afetada pelo sobrenatural de alguma forma, até que a maldição consiga ser desfeita.
Eu indico para quem: gosta de realismo mágico e de histórias que bebem no passado do nosso país. Quem gostou de Nada digo de ti, que em ti não veja. Quem não tiver fobia de cobras!
Bônus: dois livros que eu li em anos anteriores, mas que ficaram disponíveis para vocês em 2023
M de monstro, de Talia Dutton (Ed. Suma, tradução de Helen Pandolfi)
Eu fiz a preparação de texto desse quadrinho e achei tão lindo! Ele se inspira em Frankenstein para falar de identidade e expectativas familiares. Tudo começa quando uma cientista traz sua irmã, Maura, de volta à vida. Mas a criatura que acorda não tem recordações de ser Maura. Enquanto a dra. Frances se agarra à ideia de ter sua irmã de volta como ela sempre foi, a protagonista navega o dilema de aceitar o papel que esperam dela, ou assumir sua própria identidade.
Sonhos no Terceiro Reich, de Charlotte Beradt (Fósforo Editora, tradução de Silvia Bittencourt)
Eu li a edição anterior, da finada Ed. Três Estrelas, e fiquei muito feliz que a Fósforo relançou ele ano passado. É um livro curto e intrigante de uma jornalista que registrou sonhos de 300 pessoas alemãs entre 1933 e 1939. A ideia era avaliar o efeito da ascensão do nazismo no inconsciente das pessoas. Eu achei muito interessante a escolha de ignorar pesadelos, que podem surgir a qualquer momento da vida de alguém, em prol de avaliar sonhos que mostram como o horror do fascismo faz a gente mudar não só o modo como vivemos, mas também o modo como pensamos. Um exemplo de relato: “Sonho que, por precaução, falo russo enquanto durmo (não sei falar russo e também não falo durante o sono), para que eu mesma não me compreenda e, assim, ninguém me entenderá caso eu diga algo sobre o Estado, pois isso é proibido e precisa ser denunciado.”
Ninguém pediu, mas…
Fiquem também com meu ranking de melhores shows que vi em 2023:
Metric (Cine Joia, 1º de dezembro)
Mercenárias (Carioca Club, 20 de outubro)
Inocentes (Hangar 110, 29 de abril)
Yeah Yeah Yeahs (The Town, 9 de setembro)
Pato Fu (Audio, 4 de agosto)
Garotos Podres (Carioca Club, 27 de outubro)
Na próxima newsletter eu retorno ao formato normal, com respostas às dúvidas de vocês e indicações de links. Não se esqueçam de enviar perguntas pelo formulário!
Beijos,
Diana
Se você acabou de chegar por aqui e quiser ver os temas que abordei em posts anteriores, seguem os links:
Adorei as dicas, já anotei vários que quero ler!