Como fazer um editor ler (e gostar do) meu livro?
Além de dois e-books gratuitos, uma pesquisa sobre o trabalho de fãs, e um levantamento sobre campanhas de financiamento coletivo de HQs.
Na cartinha de hoje, abordo uma dúvida bem comum entre quem escreve e quer publicar por editora: como fazer seu original se destacar aos olhos de um editor.
Depois indico dois e-books gratuitos (um sobre censura a livros no Brasil, outro sobre tradução e raça), convoco vocês a ajudar uma pesquisa acadêmica sobre trabalho de fãs, e recomendo um levantamento super detalhado sobre campanhas de financiamento coletivo de HQs. Vamos lá!
A pergunta de hoje é:
Quais são as informações que devo colocar num e-mail na hora de enviar o meu original para uma editora? O que fazer para que ele se destaque/ para que eu tenha mais chance de ter o meu arquivo lido.
Laís
Oi, na época que vc trabalhava selecionando originais, o que um tinha que ter pra chamar sua atenção? Se vc puder exemplificar.
Anônimo
Cara Laís, caro Anônimo,
Decidi juntar as perguntas de vocês porque, no fundo, a dúvida é a mesma: como fazer meu original se destacar no meio da pilha de e-mails e materiais que chegam a um editor?
Essa é uma dúvida frequente justamente porque é muito difícil explicar. Existem alguns quesitos mais objetivos, que vou abordar aqui, mas no fim das contas não é muito diferente de quando te pedem, como leitor, para justificar por que você gostou de um livro: os seus favoritos são exatamente aqueles que te deixam AAAAA PERFEITO, LEIAM!! (Inclusive uma coisa que eu sempre considerei muito foi: eu fiquei com vontade de falar desse livro pra outras pessoas?)
Mas vamos começar identificando que é um problema de encontrar o equilíbrio entre se encaixar e se destacar. Quando você envia seu original para uma editora, seu e-mail precisa se encaixar o suficiente para não ser descartado logo de cara. Mas precisa se destacar o suficiente para a pessoa de fato ler seu livro, em vez de deixar ele morgando numa fila de leitura infinita. E quando o editor estiver avaliando seu original, ele espera que o texto se encaixe o suficiente para fazer sentido na linha editorial, e que agrade os leitores com os quais a editora lida. Mas ao mesmo tempo ele precisa se destacar o suficiente para justificar que a editora invista em você em vez dos outros livros que também estão sob avaliação, e para que os leitores eventualmente escolham comprar/ler o seu livro entre os vários outros que estão sendo lançados e elogiados.
Se você já se viu perdido tentando encontrar esse equilíbrio entre se encaixar e se destacar: parabéns, seja bem-vindo ao dilema que mais aflige os escritores com quem já conversei. A subjetividade desse equilíbrio é também o motivo de ser muito difícil dar feedback para escritores quando você recusa um original: numa boa parte das vezes, não tem nada de “errado” com o livro. Ele só não se destacou o suficiente entre os vários outros que você estava considerando. E eu partir da minha opinião pra te dizer o que faria uma história “ok” (aos meus olhos) se destacar seria basicamente o mesmo que dizer “queria que você tivesse escrito outro livro”… o que seria uma resposta bem cretina pra dar a um escritor. (E se eu consigo especificar o que precisaria mudar para o livro chegar num ponto em que eu o publicaria, tipo “queria que o protagonista fosse menos inseguro”, ou “queria que esse conflito fosse mais explorado”, eu provavelmente não estaria enviando uma recusa: eu tentaria conversar com o autor para ver se ele está disposto a retrabalhar o texto.)
Eu sempre bato muito na tecla de que vocês precisam ler autores nacionais e contemporâneos do mesmo gênero em que vocês escrevem porque é muito mais importante ter consciência das suas escolhas do que exatamente adivinhar quais seriam as escolhas “certas” para a sua história. Depois de algum tempo trabalhando com avaliação, fica muito fácil notar quando a pessoa achou que estava inovando num gênero que na verdade não conhece, ou quando tentou reproduzir o que deu certo em outro livro como se fosse uma fórmula. (Nenhum dos dois me chamaria atenção.)
Isso significa que você precisa ler o que os outros estão fazendo porque eu quero que você siga uma receita de bolo? Não, muito pelo contrário: quem trabalha com avaliação de originais lê MUITOS textos por ano (além de milhares de sinopses), então a gente não quer ler a mesma história que já leu no dia anterior. É importante que você faça essa pesquisa porque nós sabemos que tipo de histórias estão sendo publicadas, então é interessante que você saiba também. Isso te dá a vantagem de conseguir identificar 1) quais são seus pares nesse mercado, 2) o que você pode trazer de novo ou diferente para ele.
Se agarre a esses dois conhecimentos. Sabe o jeito como pessoas que têm o hábito de cozinhar não se preocupam em seguir receitas à risca? É a mesma coisa com a escrita: quando você conhece o que existe dentro do seu gênero, e sabe quais são as expectativas dos leitores, você consegue adaptar os “ingredientes” para construir sua história com muito mais sucesso. Afinal, você pode decidir não usar leite no seu bolo, mas você precisa ter consciência de que, se não adicionar outro líquido, ele não vai assar direito. Se você fizer a substituição direitinho, e o resultado ficar gostoso, essa diferença pode ser exatamente o que vai fazer ele se destacar entre os vários outros que existem por aí.
O diferencial do seu livro pode, inclusive, ser o fato de que ele subverte uma expectativa do gênero, mas você precisa subverter de uma forma consciente. (Evite soar como um comentarista do Tudo Gostoso dizendo “troquei o tomate por linguiça e usei batata no lugar da farinha. ficou horrível, péssima receita.”) Depois de ler os textos dos seus pares, você vai trabalhar tendo o conhecimento de que aquela expectativa existe, para então construir o momento em que ela vai ser quebrada.
Eu sei que tudo o que escrevi até aqui fica mais no plano das ideias, e não ajuda quem está com medo de ter seu original recusado porque é diferente demais do que faz sucesso. E o que eu posso dizer pra te acalmar é o seguinte: a chance de você acertar escrevendo a história do jeito que você quer, e a partir daí encontrar um público que curte as mesmas coisas que você, é maior do que se você tentar moldar tua história mirando um público que você imagina que vai preferir xyz. Também é comum que essa sua paixão transpareça quando estamos lendo o texto. (Mas, novamente: você precisa ter consciência das suas escolhas, em vez de sair escrevendo achando que vai ensinar o público a “gostar da coisa certa”. Eu acho inclusive pouco saudável querer ser escritor se você desdenha do seu próprio público.)
Eu também vou ser extra boazinha e citar que o problema mais comum que eu encontro em textos de autores iniciantes são personagens sem graça e sem agência. Protagonistas que têm apenas uma característica (por exemplo: é importante para a história que ele seja inteligente, então essa é a única coisa que ele é ao longo da história), que estão apenas existindo enquanto as coisas acontecem ao redor deles, ou que apenas reagem ao que os outros personagens trazem, sem nunca tomar iniciativa. Volta e meia eu leio um livro pensando “essa é uma história legal que está acontecendo com o protagonista mais sem sal do mundo”.
Acho que isso é o que tenho a dizer sobre a pergunta do Anônimo, então vamos seguir para a pergunta da Laís.
Quando você for enviar seu original pras editoras, o mais importante para chamar atenção delas é... mandar pras empresas certas. Seu livro pode ser incrível e mesmo assim vai ser recusado se você mandá-lo para uma editora cuja linha editorial não tem nada a ver com o que você escreve. Aproveite que você já definiu quais autores nacionais e contemporâneos escrevem histórias próximas à sua, veja por onde eles estão publicando e vá atrás. Receber uma mensagem "estou mandando meu original pra vocês porque acho que está na mesma linha de X e Y que vocês já publicam" é uma coisa que me chamaria atenção, por exemplo, porque mostra que você fez a pesquisa e sabe do que está falando.
(Você pode citar autores estrangeiros também, se achar que isso te ajuda a especificar o estilo do seu livro, mas não cite só estrangeiros, nem só livros que foram publicados décadas atrás, quando as situações do mercado eram muito diferentes das atuais. E não cite grandes best-sellers fora da curva. Dizer “meu livro vai ser o próximo Senhor dos Anéis” não vai me fazer pensar “preciso contratar esse livro imediatamente e vamos ficar ricos!! 🤑”. Isso me faria pensar é que você está em algum ponto entre a inocência e a arrogância.)
Além disso, sua mensagem deve servir como uma apresentação sua. Conte um pouquinho sobre você, mencione se o livro parte de conhecimentos pessoais (por exemplo: sua protagonista é professora, e você dá aula há 10 anos), e inclua qualquer experiência relevante na área da escrita (se você fez algum curso, se já teve um conto publicado em algum lugar…).
Mas o mais importante, na realidade, é uma boa sinopse. Se você tiver dificuldade com isso, peça para seus amigos ou leitores beta descreverem seu livro pra você. Note quais são os pontos que mais chamaram atenção deles, e inclua-os na sua sinopse. E não se preocupe muito em nos poupar de spoilers: com livros que chamamos de high concept, você provavelmente consegue chamar atenção do editor dizendo “meu livro é sobre o que acontece quando cientistas criam um parque de diversão cheio de dinossauros”, porque minha cabeça consegue deduzir para qual caminho você vai levar a história. Mas com histórias cujo foco está mais no desenvolvimento dos personagens, ou em situações cotidianas, eu sugiro que você deixe o mistério de lado e descreva o que se passa ao longo do livro, as mudanças pelas quais os personagens vão passar, os conflitos que vão acontecer, as questões abordadas…
Por fim: avaliações são subjetivas, a mesma editora pode amar um texto que outra odiou, e não quer dizer que uma delas esteja errada. Você quer que seu livro saia por uma empresa que vai se empolgar para torná-lo um sucesso, então se um avaliador não curtiu sua história... é porque essa não era a melhor casa para ela mesmo.
Espero ter ajudado, e boa sorte!
(P.S.: nenhum editor vai recusar seu original porque você não sabe usar crase. Nem vai te amar porque você trocou todos os mas por entretanto. Vá ler uns livros legais em vez de perder horas nessa perfumaria.)
Indicações e aleatoriedades:
Você participa (ou participou) de fandoms e acha que habilidades que você desenvolveu nesse meio te ajudam na sua vida profissional? Então, por favor, participe dessa pesquisa! É um estudo que está sendo feito por duas pesquisadoras da área de Fan Studies, e, como uma delas é brasileira, o formulário está disponível em português também. Você precisa ser não apenas fã, mas já ter feito algum trabalho dentro do fandom. Alguns exemplos que elas citam: administrar fanpages, organizar votações em um artista, editar vídeos e imagens, traduzir ou criar material… Eu sei que meu envolvimento com fandoms musicais láaa nos anos 2000 me ajuda até hoje no meu trabalho, então estou curiosa para ler o estudo final.
Com o aumento nas tentativas de censura a livros no Brasil, eu queria indicar um e-book gratuito publicado pela USP chamado Resistência: leitores, autores, livreiros, editores e censura a livros no Brasil de 2019 a 2022. O livro mapeia a escalada dessa perseguição aos livros nos últimos anos, para que a gente não deixe o tempo apagar o que aconteceu (e continua acontecendo, infelizmente).
O Além dos Quadrinhos fez um levantamento super completo sobre as campanhas de financiamento coletivo de HQs realizadas através do Catarse desde 2011. Ele pegou dados de 2.805 campanhas para avaliar a quantidade de projetos financiados ao longo dos anos, o impacto do valor e do tempo de campanha no resultado etc.
Por último, outro livro gratuito (mas em inglês): Translation and Race, da Corine Tachtiris. Uma leitura essencial para quem traduz ou lida com traduções e se considera antirracista. Eu nem vou me alongar muito, só vou colar aqui a sinopse para vocês entenderem a importância do trabalho da Corine:
“Translation and Race” brings together translation studies with critical race studies for a long-overdue reckoning with race and racism in translation theory and practice. This book explores the "unbearable whiteness of translation" in the West that excludes scholars and translators of color from the field and also upholds racial inequities more broadly.
Outlining relevant concepts from critical race studies, “Translation and Race” demonstrates how norms of translation theory and practice in the West actually derive from ideas rooted in white supremacy and other forms of racism. Chapters explore translation’s role in historical processes of racialization, racial capitalism and intellectual property, identity politics and Black translation praxis, the globalization of critical race studies, and ethical strategies for translating racist discourse. Beyond attempts to diversify the field of translation studies and the literary translation profession, this book ultimately calls for a radical transformation of translation theory and practice.
This book is crucial reading for advanced students and scholars in translation studies, critical race and ethnic studies, and related areas, as well as for practicing translators.
Até a próxima, e não se esqueça de enviar sua pergunta!
Se você acabou de chegar por aqui e quiser ver os temas que abordei em posts anteriores, seguem os links:
Que edição sensacional! Cheguei aqui pela indicação na News do Rodrigo casarin e adorei.
excelentes dicas!